
Após um AVC, as dificuldades para engolir, conhecidas como disfagia, afetam 50% dos pacientes.
Embora a maioria recupere a função de deglutição após sete dias, entre 11% e 13% continuam apresentando disfagia após seis meses. Isso torna pertinente a detecção precoce de problemas de deglutição e nutricionais, uma vez que um bom manejo nutricional nesses casos está associado à redução de complicações clínicas, da incapacidade, da mortalidade e dos custos de internação e reabilitação.
Por outro lado, a disfagia e o déficit nutricional após um AVC aumentam em 50% o risco de pneumonia e em 37% o risco de morte, por isso é tão importante adotar medidas preventivas em tempo hábil.
Classificação
A disfagia, como consequência de um acidente vascular cerebral, é uma forma de disfagia orofaríngea. Por isso, as alterações no trânsito do bolo alimentar ocorrem durante sua passagem pela boca ou faringe e são resultado de fraqueza, paralisia, alteração da sensibilidade, descoordenação ou apraxia das estruturas orais ou faríngeas, causadas por uma lesão vascular encefálica aguda. Um déficit seletivo da função cognitiva que afete o início da deglutição também pode estar envolvido.
Quais são as fases da deglutição?
A deglutição normal ocorre em três fases:
Oral
Inicia-se de forma voluntária e inclui a mastigação, a salivação e a ação dos lábios e bochechas
Nessa fase, a língua empurra o bolo alimentar contra o palato, direcionando-o para a faringe. O estímulo dos pilares amigdalinos inicia a segunda fase, a fase faríngea.
Faríngea
- A elevação do palato mole, que oclui as coanas
- O deslocamento laríngeo ântero-superior, a inclinação da epiglote, a adução das cordas vocais e a apneia
- O peristaltismo faríngeo que impulsiona o bolo em direção ao esôfago
- Relaxamento do esfíncter esofágico superior
Esofágica
Abrange o transporte do bolo alimentar até o estômago. Os impulsos aferentes e eferentes que tornam possível a deglutição são conduzidos pelos nervos cranianos.
Reabilitação no processo da disfagia
Todas as medidas terapêuticas na disfagia orofaríngea têm como objetivo final alcançar uma alimentação por via oral eficaz (que permita atender às necessidades nutricionais e de hidratação) e segura (sem comprometer as vias aéreas).
Os pacientes candidatos a um tratamento de reabilitação são aqueles:
- Que conseguem manter, pelo menos parcialmente, a ingestão de alguns alimentos por via oral
- Que, mesmo com nutrição e hidratação por via enteral, apresentem condições para restabelecer total ou parcialmente a alimentação por via oral.
O tratamento de reabilitação faz parte de um plano global de cuidados ao paciente com disfagia, que inclui recomendações nutricionais e o nível de ajuda ou supervisão por terceiros.
Na definição do plano de tratamento, devem ser considerados os dados obtidos a partir de:
• Os estudos instrumentais, como a fibroendoscopia da deglutição (FEES) e a videofluoroscopia (VF), que permitem conhecer a fisiopatologia da disfagia orofaríngea (DOF), a capacidade de deglutição do paciente e o risco de aspiração para as vias aéreas, além de testar a eficácia de algumas intervenções.
• A avaliação clínica completa, com registro de todos os diagnósticos médicos, que indicará a história natural e o prognóstico evolutivo do quadro, comorbidades, a capacidade cognitiva e de comunicação do paciente, consciência do déficit, capacidade de aprendizado e motivação, fatigabilidade, estado nutricional e as habilidades motoras e sensoriais.
• O ambiente do paciente, o apoio efetivo de familiares e cuidadores, e seu acesso aos recursos disponíveis
Tratamento reabilitador para a disfagia
O tratamento de reabilitação faz parte de um plano global de cuidados ao paciente com disfagia, que inclui recomendações nutricionais e o nível de ajuda ou supervisão por terceiros.
Todas as medidas terapêuticas na disfagia orofaríngea têm como objetivo final alcançar uma alimentação por via oral eficaz (que atenda às necessidades nutricionais e de hidratação) e segura (sem comprometer as vias aéreas).
O tratamento de reabilitação utiliza um conjunto de medidas que podem ser agrupadas em:
Técnicas compensatórias
Permitem que o paciente se alimente por via oral, ao menos parcialmente, protegendo as vias aéreas. Proporcionam melhora imediata dos sintomas, mas apenas enquanto são aplicadas.
São simples, e a maioria dos pacientes com disfagia consegue realizá-las com supervisão mínima de um familiar ou cuidador. Constituem a primeira linha de tratamento e ajudam a iniciar a alimentação por via oral em pacientes com disfagia orofaríngea (DOF) grave.
Modificações no volume, textura e viscosidade do bolo alimentar
Uma das medidas iniciais mais utilizadas no tratamento da DOF é a modificação da textura e viscosidade dos alimentos sólidos ou líquidos, para tornar o bolo alimentar mais fácil de deglutir e com menor risco de aspiração.
Permitem manter a via oral ao menos de forma parcial, evitando a atrofia por desuso de todas as estruturas orofaríngeas, e facilitam o início do tratamento para a transição da nutrição enteral para a via oral.
São explicadas de forma pormenorizada em outro capítulo, mas é importante lembrar e reforçar a seguinte ideia-chave: a escolha da textura e do tamanho do bolo deve ser feita após a realização de uma avaliação clínica e instrumental, que confirme quais são as mais adequadas para o paciente. Além disso, essas escolhas devem ser reavaliadas periodicamente.
Técnicas posturais
A primeira regra postural geral é alimentar-se em posição vertical, sentado, mantendo o tronco ereto e a cabeça erguida.
Nessa posição, a gravidade ajuda no trânsito do bolo alimentar através das cavidades oral, faríngea e esofágica. Ela previne a queda prematura do bolo na faringe a partir da boca — com as vias aéreas ainda abertas — situação que pode ocorrer se o paciente estiver em posição horizontal, além de evitar a regurgitação nasal.
São simples, e a maioria dos pacientes consegue realizá-las com orientação ou supervisão mínima, mesmo aqueles com alterações cognitivas ou de comunicação.
Podem estar limitadas em pacientes com dor ou restrição de mobilidade devido à cervicoartrose. É importante considerar que, embora os ajustes posturais sejam simples de executar, exigem do paciente uma boa consciência do déficit, pois ele deve aplicá-los durante toda a alimentação. Caso contrário, é necessário contar com um cuidador que supervise de forma atenta a sua realização.
Flexão cervical
Indica-se ao paciente que abaixe o queixo ou flexione a cabeça (chin down) ou toque a garganta com o queixo para “fazer papada” no momento de engolir. Essa manobra amplia a vallécula, diminui a distância entre a língua e a parede faríngea, e estreita a entrada da via aérea.
Pode ser útil em pacientes com atraso na ativação do reflexo de deglutição, pois ao ampliar a vallécula, permite que ela contenha o bolo e evite sua entrada nas vias aéreas. Da mesma forma, pode ser indicada em pacientes com deficiência no fechamento da via aérea (como diminuição da elevação laríngea ou do fechamento das cordas vocais), ao estreitar a entrada da laringe, e também naqueles com redução da retração da base da língua.
É uma das posturas mais recomendadas, embora sua utilidade não possa ser generalizada para todos os pacientes com DOF. Diversos estudos em casos de AVC e outras patologias observaram eficácia em aproximadamente 50% dos pacientes.
Extensão cervical
Indica-se ao paciente que levante o queixo ao engolir. Nessa posição, a gravidade facilita a passagem do bolo da cavidade oral para a faringe.
Um requisito fundamental para recomendar essa postura é que o paciente tenha um bom fechamento das vias aéreas e que a ativação do reflexo de deglutição não esteja atrasada. Como medida de proteção, sempre que o paciente colaborar, pode-se orientá-lo a prender a respiração (apneia) antes de levantar o queixo, ou combinar com a manobra de deglutição supraglótica. Pode ser útil em pacientes selecionados com dificuldade na fase oral de transporte, como por exemplo na esclerose lateral amiotrófica ou após ressecção de língua.
Rotação da cabeça
Orienta-se o paciente com disfagia a girar ou rotacionar a cabeça, direcionando o queixo para o lado lesionado no momento da deglutição. Isso permite o fechamento do lado lesionado (o lado da faringe para o qual o queixo é direcionado), conduzindo o bolo alimentar para o lado saudável.
Também parece ter efeito sobre o relaxamento do esfíncter esofágico superior (EES). Pode ser útil em pacientes com paralisia unilateral da parede faríngea ou laríngea (cordas vocais) e em alguns casos com alteração da mobilidade cricofaríngea. Protege as vias aéreas durante e após a deglutição.
Inclinação lateral da cabeça
Orienta-se o paciente a inclinar lateralmente a cabeça, direcionando a orelha para o lado mais forte ou saudável. A gravidade desvia o bolo para a região da cavidade oral e faríngea que apresenta melhor funcionalidade.
Pode ser útil em pacientes com paralisia unilateral da boca e da faringe, assim como em pacientes com câncer de cabeça e pescoço com comprometimento da parte posterior ou da base da língua.
Estimulação sensorial da cavidade oral
A aplicação de diferentes estímulos sensoriais na cavidade oral pode modificar diversos aspectos da deglutição orofaríngea. Já foram utilizadas estimulação tátil e térmica, assim como alterações nas características do bolo (viscosidade, volume e sabor), ou combinações desses estímulos.
A estimulação tátil e térmica é aplicada em regiões da cavidade oral que contêm os receptores sensoriais envolvidos na ativação do reflexo de deglutição, geralmente na parte posterior da língua e nos pilares das fauces.
Um exemplo característico é exercer uma leve pressão com a colher sobre a língua ao oferecer o alimento. O frio e o sabor azedo ou ácido (como o limão), ou a combinação de ambos, estão entre os mais utilizados, promovendo a redução dos tempos de trânsito oral e faríngeo em pacientes com AVC e outras doenças neurológicas, assim como em casos de sequelas de câncer de cabeça e pescoço.
A aplicação prática dessas técnicas é controversa, pois as mudanças ocorrem apenas na primeira deglutição após o estímulo. No entanto, podem ser úteis para pacientes com DOF grave e distúrbios sensoriais, ou com atraso nas fases oral ou faríngea e apraxia da deglutição, especialmente quando estão reiniciando a alimentação por via oral.
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